Chega na estação de trem apressada. Não pode perder o trem das onze.
Se eu perder esse trem
Que sai agora às onze horas
Só amanhã de manhã
Enquanto aguarda a chegada do trem, caminha de um lado para o outro. Nem tem lugar para sentar na plataforma. Esse horário está todo mundo voltando pra casa da faculdade, curso técnico ou o que seja.
O trem chega e ela entra. De novo, sem lugar para sentar. Em pé, encosta-se na porta. O trem começa a andar. Vez ou outra, ela olha à sua volta, reparando nas outras pessoas do vagão. Todo têm cara de cansaço, alguns dormem (os privilegiados que conseguiram um lugar para sentar, no caso), outros leem livros, mas a maioria prefere mexer no celular. Do seu lado, um grupinho conversa sobre uma intriga qualquer do setor X da empresa Y de telemarketing. Mas a história não parece interessante o suficiente para prender sua atenção por mais do que 3 segundos.
Ela vai passeando o olhar pelo vagão, tentando imaginar como foi o dia de cada pessoa ali. Até que o vê, sentado em um banco ao lado da janela.
Será que é ele?
Fica alguns segundos olhando enquanto ele mexe no celular. Ele levanta a cabeça e seus olhares se cruzam.
É ele sim!
O cara do Tinder. Eles deram match meses atrás, mas nunca conversaram. Ela ficou com vergonha de puxar papo e ele… Bem, não se sabe porquê ele não quis falar com ela. Pouco tempo depois do match, ela apagou a conta do aplicativo por puro desânimo (quem nunca?), mas nunca deixou de pensar em qual teria sido o desfecho da história caso tivesse tido coragem de conversar com aquele cara. Ela o queria, e não era pouco.
Passa uma estação. E mais uma. O vagão esvazia. Ela continua de pé por um tempo após o fechamento das portas, tentando decidir se deve sentar-se ao lado dele ou não. Tem uma ideia: pega o celular e abre o Tinder (sim, ela reinstalou o maldito app, pode julgar) e o procura, afinal o app se baseia na localização para encontrar pessoas próximas. Nada. Talvez ele esteja com o GPS desligado, ou também tenha apagado a conta… Pensa em como se arrependeu de não ter puxado papo com ele pelo aplicativo quando teve a oportunidade. Sim, aquilo definitivamente foi um erro.
Desta vez, vou cometer um erro diferente.
Senta-se ao seu lado. Ele a olha brevemente e logo volta a mexer no celular. Ela olha para a frente fixamente, sem saber como agir. Novamente, a timidez toma conta. Passa outra estação. Ele não desceu. Ela descerá na próxima, então precisa agira rápido. Pega o caderno e uma caneta. Escreve algo e arranca um pedaço da folha. O rapaz, distraído com o celular, parece não perceber nada.
O trem começa a diminuir a velocidade. Ela se prepara para entregar o bilhete. O trem para. Ela respira fundo e– ele se levanta.
Ele também vai descer aqui???
É, por essa ela não esperava. Parece que eles moram na mesma cidade. Seu plano de entregar o bilhete, dar um sorrisinho e sair com ar de mistério não deu certo. Precisa pensar em um plano, e rápido porque o rapaz já está na porta e ela continua sentada.
Ela levanta e se posiciona ao lado dele. As portas se abrem e ele caminha rápido para a saída da estação. Ela tenta acompanhá-lo. Ele está alguns passos à sua frente, já do lado de fora da estação, e ela percebe que situações desesperadas requerem medidas desesperadas. Corre para alcançá-lo e toca seu ombro.
– Moço!
Ele se vira, surpreso com a abordagem.
– Isso caiu da sua mochila.
Ele pega o bilhete, confuso, enquanto ela sai apressada sem aviso e sem sorriso. Ele a observa se afastar por alguns instantes. Fica ali parado tentando entender o que acabou de acontecer. Abre o bilhete e lê.
Oi moço. Tudo bem? A gente deu match no Tinder um tempo atrás, mas não chegamos a trocar ideia. Hoje te vi no trem e percebi que não poderia deixar a oportunidade passar uma segunda vez. Se estiver solteiro e quiser me conhecer melhor, vem de zap 😉
Abaixo do recado, um número de telefone e um nome. Ele sorri, guarda o bilhete no bolso e segue seu rumo.